Agora vou relatar para vocês sobre dois carnavais. Um realizado na Velha Igaratá e outro na Nova Igaratá.
No meu tempo de jovem, lá pelos anos de 1960, o carnaval na Velha Igaratá era realizado da seguinte forma:
Começava no sábado na parte da tarde, já que naquela época a maioria das pessoas trabalhavam até às dezessete horas.
Era tradicional a saída do “BOI” pela rua principal.
O “BOI” era constituído de um jacá de taquara com um metro e meio de comprimento por oitenta centímetros de largura, com uma cavidade no meio.
Para completar a estrutura do “BOI”, na parte da frente do jacá, era colocada uma carcaça da cabeça de um boi, totalmente descarnada e pintada, permanecendo apenas os chifres.
Na cavidade existente no centro do jacá, o folião se ajustava para comandar, sendo colocadas duas cordas presas no “BOI” como se fossem suspensórios, para que o folião pudesse suportar o peso e ter mais agilidade.
Um grande pano cobria totalmente o jacá. A roupagem e a máscara usada pelo folião, o tornava totalmente incógnito. Somente as pessoas que participavam da montagem é que sabiam quem era a pessoa que comandava o “BOI”.
Poucas pessoas se aventuravam a sair pela rua principal. O “BOI” pegava pra valer.
Quando você menos esperava, lá estava ele saindo de um beco ou de uma casa velha
abandonada, sempre em disparada atacando todos que pela frente encontrava.
Só as mulheres e crianças eram respeitadas.
Quem mais se destacava no comando do “BOI”, era o Tião do Orioste, pela sua índole extrovertida. Ele se realizava quando conseguia chifrar e derrubar alguém.
Pouco se importava se machucava ou não, apesar de nunca ter acontecido algum caso grave. O que mais valia era o susto.
A importância de ficar incógnito, era para se livrar de ir em “cana”, caso a polícia aparecesse, o que era muito difícil. Mas se caso acontecesse, tanto o folião e o “BOI” se evaporavam.
A noite começava o carnaval de salão.
Lá pelas oito horas, o Chico Lourenço, com o inseparável cavaquinho, o Zé Igaratá com seu violão e uma gaita de boca adaptada ao mesmo, o João do Orioste com o seu famoso bandolim, o Zé Camargo com o surdo para fazer a marcação, o Abrãozinho no pandeiro e eu no repique, nos reuníamos no único salão que existia. Não tinha mais do que cinco metros de largura por quinze de comprimento.
Era o salão de snooker do João do Bar.
A única mesa que existia, já estava encostada num canto e sobre ela era armado um pequeno tablado, onde a nossa pequena “orquestra” se ajeitava.
Era inicio do carnaval de salão.
Nesses dias, a energia boa fornecida pelo gerador diesel, ia até à meia noite. Daí em diante, a folia continuava sob os lampiões Aladim colocados estrategicamente.
Ainda me lembro.
Na terça-feira “gorda”, o baile terminava pontualmente à meia noite. Após esse horário era considerado sacrilégio, já que estava iniciando a quarta-feira de cinzas. Havia um respeito muito grande pelos ensinamentos da igreja.
O baile parava, os instrumentos eram desafinados, guardados e só voltavam à baila quarenta dias após. Só no sábado de aleluia.
Na Nova Igaratá, somente à partir de 1988 é que se começou a organizar o carnaval de rua. Até então, só o Igaratá Social Clube é que comandava. Existia apenas carnaval de salão.
Certo dia, batendo papo com o Mirão e a Josete, começamos a bolar como se conseguiria pelo menos, colocar um bloco na rua.
Muitas pessoas não tinham condições de arcar com o preço do ingresso para entrar no clube para poder brincar no reinado de Momo. Esta seria uma forma de se poder agradar a todos.
O tempo era escasso. Faltavam apenas dois meses para inicio do carnaval.
Quem mais entendia da arte era o Mirão, folião nato. Este ficou incumbido de organizar a bateria e as alas que iam compor o bloco.
A Josete ficou com a tarefa de convidar a moçada, preparar as fantasias e alegorias.
Eu fiquei como “Coringa”! Ajudar em tudo que precisassem
.
A animação começou.
Mirão recrutou todos os jovens que soubesse pelo menos um pouco de batuque. O importante era ter ritmo e cadência.
Aos sábados nos juntávamos na praça principal, e lá pelas vinte horas começava o ensaio.
Mirão, muito dedicado, mas também de personalidade forte, não tolerava a menor falha. Ficava de olho em todos os componentes da bateria. Um pequeno desvio era o bastante. O apito tocava e tudo parava. Começava a discussão.
Ai era a hora do deixa disso! Calma! Tivemos tanto trabalho, não podemos desistir agora!
O que de fato acontecia, era que os nossos jovens, não acostumados a receber ordens, não entendiam. A disciplina tinha que ser rigorosa. O Mestre da Bateria era obrigado a ser exigente. A glória ou o fracasso eram de sua inteira responsabilidade.
No fim tudo deu certo. A Bateria ficou tinindo!
A Josete, com a ajuda da Siluca, Caetana, Nena, Mara, Dalila e outras mais, conseguiram em tempo hábil confeccionar as alegorias e fantasias que comporiam as alas do Bloco. Baianas e Havaianas predominavam.
Faltavam apenas vinte dias para o Carnaval, quando o Mirão me chamou num canto e disse: Varlei, praticamente está tudo dentro dos conformes, mas ironicamente falou: está faltando o fundamental, meu irmão!
Não me contendo, retruquei: Não te entendo! Se está tudo em ordem, como falta o fundamental ?
Ai ele me respondeu: Você já viu uma Escola de Samba ou um Bloco carnavalesco desfilar sem um samba enredo?
Se vira “peão”, você não é quadrado!
Meu Deus! Não dá tempo para mais nada. Como divulgar em tempo hábil o tema para que os compositores apresentassem seus sambas? Como fazer o julgamento e a escolha do melhor samba enredo?
A bomba estourou na minha mão!
Jamais tive a pretensão de ser compositor e “puxador” de samba.
No reduto do meu quarto, de posse de um violão e um gravador, comecei a rabiscar e compor o seguinte samba:
Nome do Samba: CANOA ALTA.
Tema: RELEMBRAR O PASSADO E FALAR DO PRESENTE.
Todos os dias, ao anoitecer, eu com a minha Belina, encostava de frente a padaria e em outros estabelecimentos comercias, abria as portas, colocava a fita para tocar e distribuía a letra para que o pessoal pudesse apreender e acompanhar.
Durante o desfile o povo emocionado, aplaudia com muita alegria.
Talvez a emoção de ser o primeiro carnaval de rua.
Pois é, caros leitores. Não sei se foi aquele carnaval de rua esperado.
De uma coisa eu sei:
Plantamos a primeira semente!
É pena que o Blog não aceita gravar a música do samba enredo. Mas pelo menos ficam conhecendo a letra.
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