Esqueceram porém, que Alfredo era esperto. Esqueceram que a tragédia foi ocasionada por um acidente que poderia ter ocorrido com qualquer pessoa, em hora e lugar incerto. Ninguém, em sã consciência deixaria de evitar que tal infortúnio acontecesse.
O tempo passa e finalmente chega o dia da eleição!
A “Vila”, lugarejo pacato, aonde poucas pessoas transitavam, já que a população rural só aparecia nos fins de semana para adquirir as provisões necessárias, aos poucos foi se modificando. Ao amanhecer, funcionários da Prefeitura, atendendo notificação da Justiça Eleitoral, fazem a demarcação à cal do local de votação. A partir daquela risca, nenhum eleitor poderia ser abordado. Fato muito difícil de ser controlado, pois ambos os lados procuravam de dar um jeitinho para entregar as cédulas ao eleitor. Foi designado o Grupo Escolar onde foram instaladas as 1ª, 2ª e 3ª Seções Eleitorais. Presidentes e Mesários assumem seus postos nas respectivas seções a que foram designados. Precisamente às 8,00 hs. Inicia-se o processo de votação. Delegados e Fiscais de partidos, todos a postos.
Caminhões vindos da zona rural começavam a chegar “despejando” eleitores para cumprirem o dever cívico. Das cidades vizinhas, Santa Isabel e Jacareí, ônibus chegavam totalmente lotados. Nesse dia havia até carros extras.
Para quem estava acostumado com a monotonia da “Vila”, ficava estonteado com tanta gente transitando pelas poucas ruas existentes. Parecia um formigueiro quando está saindo içá. Cabos eleitorais não perdiam tempo. Bate papos, tapinhas nas costas, promessas, distribuição de santinhos, enfim o importante era convencer o eleitor a votar no seu candidato. Dentro do recinto demarcado, era proibida a abordagem aos eleitores. Nem todos respeitavam. De repente, discussões, atritos, e ameaças de representação ao Juiz Eleitoral. No final tudo terminava em samba, todos tinham o rabo preso. Ninguém tinha coragem de fazer qualquer representação, pois sabiam que também sobraria para eles. Enfim, todos puxavam a sardinha para o seu lado.
As horas iam passando, a cidadezinha aos poucos ia se esvaziando e ao anoitecer, tudo voltava ao normal. Apenas alguns grupos se reuniam nas esquinas onde cantavam a vitória. A venda de bebidas alcoólicas eram totalmente proibidas, mas pouco adiantava, pois todos já tinham feito a sua previsão, e na surdina, principalmente nas cozinhas dos bares, eram servidas.
A Apuração dos votos era realizada na Comarca no dia seguinte.
Como era de costume, os candidatos à Prefeito, no dia da apuração ficavam escondidos em lugares distantes da “Vila” aguardando o resultado. Se a notícia que chegasse fosse a derrota, o normal era tirar umas “férias” e desaparecer por um bom tempo de circulação. Sabiam que a comemoração da vitória organizada pelos correligionários do candidato vitorioso, era tão grande e barulhenta, tanto quanto as provocações.
Alfredo optou para ficar escondido há uns dois quilômetros da cidade, se não me engano no sítio do Zé Vicente. Mário que residia em Santa Isabel, por lá mesmo ficou.
Amanhece o dia! Dois ou três carros transportando eleitores e fiscais de partido, dirigiram à Comarca de Santa Isabel para assistirem e fiscalizarem a apuração dos votos. O clima era tenso! Pairava no ar uma sensação de dúvida que criava um certo mal estar nos que ficaram aguardando o resultado. Grupinhos foram se reunindo, conversando e analisando os fatos ocorridos no dia anterior. Assim pensavam: se o nosso candidato perder, o que se iria fazer? Ao mesmo tempo diziam; deixa prá lá, esta eleição já está no “papo”!
De repente a monotonia da “Vila” era quebrada!
Há uns quinhentos metros, perto da Rua da Palha, foguetes começavam a espocar. O resultado da apuração estava chegando. Qual seria o candidato vitorioso?
Mesmo sendo um local calmo, tranqüilo até demais, a pequena caravana que retornava de Santa Isabel, fazia um alarde tão grande, que mesmo pela pouca distancia, não se conseguia escutar qual era o candidato vitorioso.
Somente na entrada da “Vila” deu para entender o que gritavam. Alfredo, Alfredo, Alfredo! Viva! Ganhamos a eleição!
Alegria para uns, tristeza para outros. Inclusive para mim que era correligionário do Mário Dentista.
Alfredo, apelidado de “Morcego”, havia vencido a eleição com uma margem de 55 votos. A caravana não parou, continuou seu destino até o sítio do Zé Vicente onde estava escondido o Alfredo. Isso deu tempo para os políticos derrotados saíssem de circulação.
É fácil entender o porque dessa atitude. Se antes das eleições os insultos eram enormes, pensaram num confronto entre vitoriosos e derrotados em uma rua de mais ou menos 100 metros de extensão?
Mário como residia em Santa Isabel, por lá mesmo ficou amargando a derrota. Seus correligionários não se conformavam. Com tudo que havia acontecido, com a imprudência do “Morcego” desfilando pelas ruas estreitas da cidade com a “plaina” em dia de festa, causando uma grande tragédia, não era possível ter perdido a eleição, principalmente com Mário, natural de Igaratá para um estrangeiro! Alguma coisa deveria ter acontecido: só poderia ser erro na contagem dos votos!
Espernearam, gritaram, tentaram de tudo. Nada adiantou. A Justiça Eleitoral confirmou o resultado da apuração. Como dito anteriormente, a maioria dos eleitores se concentrava na zona rural. A “Vila” em pouco tempo foi se esvaziando, voltando a sua monotonia. A agitação de estar abordando os eleitores, já não havia mais razão. Tapinhas nas costas, promessas, já eram coisas do passado. Moacir, contente com a vitória, pois havia conseguido eleger seu sucessor, ainda no comando do Executivo, já que seu mandato expiraria no último dia do ano de 1958, começou a preparar os trâmites legais para a transferência do cargo.
Alfredo, com ar de superioridade, começava a programar o que pretendia realizar no seu quadriênio de mandato. Seus correligionários, cabos eleitorais, por outro lado, programavam como seria a festa da posse do novo prefeito. Logo após serem diplomados na Comarca de Santa Isabel, em ato solene na Câmara Municipal de Igaratá, dão posse ao novo prefeito e Vice, que conforme promessas, iriam dar continuidade aos trabalhos iniciados por Moacir, que no momento se despedia desejando muitas felicidades ao seu sucessor. Logo em seguida, sob aplausos da multidão e espocar de rojões, todos se dirigiram ao local programado para as comemorações.
De cima da carroçaria de um caminhão estacionado perto da Delegacia de Polícia, eram distribuídos fartos espetos de churrasco para a multidão que ali se aglomerava. Sem exagero algum, cada espeto tinha uma média de meio quilo de carne. Em frente, numa grande vala aberta com mais de vinte metros de comprimento, os espetos de carne deveriam ser assados. A fartura era grande! Deviam ter abatido uns cinco bois. Era carne para ninguém botar defeito. Como comparação, o único açougue que na época, se não me falha a memória, era de propriedade do Dito Barbosa, só funcionava uma vez por semana abatendo apenas um boi na sexta-feira para ser vendido no sábado.
Nem todos tinham condições de comprar carne. A maioria da população mesmo numa época em que praticamente não existia inflação, dava duro para ganhar o seu sustento. Roupas boas, calçados e carne de vaca eram artigo de luxo. O negócio então era aproveitar a oportunidade, principalmente quando havia distribuição gratuita de carne. Os mais carentes e humildes, sorrateiramente pegavam os espetos, davam uma esquentada no braseiro, saiam de mansinho como fossem comer num cantinho qualquer. Lá, um de seus filhos, enquanto os outros também se viravam, aguardava ansioso com um saco de estopa, dentro do qual seriam guardados os espetos. Dessa forma, conseguiam mistura de luxo de ótima qualidade, que depois de secá-las, durariam pelo menos uns quinze dias. Esses pelo menos tinham o que festejar mesmo que fosse por pouco tempo. Aos outros restavam as dúvidas e as esperanças.
Na certa os perdedores haveriam de sofrer nas mãos do Alfredo, ex-combatente da FEB –Força Expedicionária Brasileira na segunda grande guerra mundial. Sabemos lá o que tinha passado na Itália, já que afirmava ter combatido na conquista do Monte Castelo. Alfredo era muito temperamental. Quem sabe, talvez algum trauma de guerra.. Quem não gozava da sua simpatia era tratado como inimigo ferrenho. Três foram as obras realizadas na sua gestão: A construção do Grupo Escolar, o Prédio da Delegacia de Polícia e a canalização de água potável na “Vila”.
A caixa que armazenava a água não ficou submersa na Represa do Jaguari. Foi adaptada e transformada numa bela residência pelo atual proprietário.
Alfredo Manoel Francisco foi o segundo prefeito após a Emancipação Política Administrativa do Município. Sua gestão foi de 1959 à 1962.